sábado, 8 de julho de 2017

Caxambu e seu Mercado Municipal /Arqueologia urbana/ As radicais transformações da cidade



Vups! Um susto. Agora ele é um edifício fantasma, e parece que existiu somente em nossa imaginação. De repente o belíssimo, o chique Mercado Municipal desapareceu do centro de Caxambu e com ele parte da história da cidade. É difícil de acreditar. Como puderam desmontar uma relíquia daquelas, correspondente em arquitetura e design aos quiosques das fontes  do Parque das Águas, importadas da Bélgica?  Com Permissão de quem? Hoje, seria com absoluta certeza, um ponto de atração turística para a cidade.

Ah se não nos falha a memória... 
Tia Célia, o cheiro das maçãs e outras tantas memórias

O projeto e construção do Mercado Municipal datam de tempos diferentes dos quiosques que circundam as fontes do Parque das Águas, embora suas estruturas de ferro fundido tenham muita semelhança. No caso dos quiosques do Parque das Águas, a história começa com o  Conselheiro Francisco de Paula Mayrink (1839-1907), que desde 1890 era responsável pela Empresa das Águas de Caxambu, e que tinha um sobrinho o diplomata, Raphael Mayrink (1874-1931). Ele estava, digamos, "atualizado" com a moda da época e era o "encarregado de negócios" do Brasil, na Europa fazendo-se presente, em 1905, na Exposition Universelle de Liège, na Bélgica. Então ficou fácil. Os coretos e outros equipamentos urbanos pré fabricados de ferro, podiam ser escolhidos por catálogos e Caxambu adquiriu os seus, que foram servir para proteger e embelezar as fontes do Parque. Mas atenção! Mais uma vez a nossa biblioteca da Família Ayres/Freitas/Pereira/SilveiraCelia Ayres Lima/Araujo, veio com sua memória nos ajudar. Ela nos contou que o Mercado Municipal de Caxambu não era da mesma época dos quiosques das fontes do Parque das Águas, e sim vieram de Belo Horizonte, na década de 30, quando ela ainda era estudante do Colégio Normal Santa Terezinha... e aí fomos atras das informações. De fato. O Mercado, cujo todo o metal era importado, foi uma iniciativa da prefeitura de Caxambu através da iniciativa de Raul de Noronha Sá, adquirido no Governo de Benedito Valadares, através de doação.


Uma das poucas testemunhas desta relíquia esta aqui. Trabalhadores foram flagrados nas cenas iniciais  do Mercado Municipal de Caxambu. Bravos trabalhadores.

E para a nossa surpresa, depois que publicamos o texto, muitas pessoas vieram completar as informações faltantes. Izabela Jamal Guedes lembrou que abaixo do Mercado havia um local para que os cavalos pudessem beber água. Cavalos? O que vocês estão pensando? Naquela época cavalo era também meio de transporte para aqueles que moravam nas redondezas e vinham fazer suas compras na cidade (foto abaixo). Fora o Antonio Claret Maciel Santos, que aos 8 anos de idade, brincava na pracinha de flores e palmeiras rolando de cima até embaixo. Alguns dos nossos familiares ainda lembram da relíquia. Edson Aires de Lima relata que na sua infância, teve o privilégio de frequentar o local. Na área central coberta eram realizadas quermesses e leilões. Já Graça Pereira Silveira também frequentadora do Mercado quando criança.  De uma das visitas ao mercado, ganhou do tio uma galinha, aquelas que quando a gente apertava, punha um ovo. A dela era vermelha com asas amarelas. A banca de verduras era a que mais a atraía. Era de uma senhora japonesa, quem vendia maçãs argentinas e peras embrulhadas em papel de seda. Claro que ela não podia comprar aquelas lindezas, declara, mas o cheiro da maçã  esta até hoje em sua memória.

Em nome do pai do Filho e do Espírito Santo 

Ao assumir o governo de Minas, Benedito Valadares (1892-1973), deu muita atenção à cidade e o Mercado não veio por acaso. Com as transformações urbanas a cidade vivia seu apogeu, crescia em importância econômica e política, no Governo de Getúlio Vargas. A implantação de um Mercado municipal representaria uma forma de modernização e entre outros aspectos, para a higienização dos  produtos em um único espaço e de forma organizada. O Mercado de Caxambu serviu por muito tempo ao comércio de carnes da cidade. Os melhores açougues lá se instalaram. Ele possuía características muitíssimo semelhantes aos quiosques do Parque, e com grande possibilidade ter sido também importado da Bélgica. Essas informações ainda estão para serem confirmadas.

Sua construção se deu no início de 1937,  na administração do prefeito Fabio Vieira Marques, que entre outras obras, executou o calçamento e arborização da Avenida Camilo Soares. Suas obras foram coordenadas pelo o engenheiro Hermano Lott (foto), que veio acompanhado da família. Lott foi diretor da Escola Técnica de Belo Horizonte, entre 1937 a 1941, o futuro, CEFET, Centro de Educação Federal Tecnológica de Minas Geras. As obras duraram quase uma eternidade, sete anos, e finalmente, em 26 de janeiro de 1944, numa quarta-feira, foi inaugurado. A importância do Mercado para a cidade de Caxambu foi tão grande, que na sua inauguração, além de contar com a presença de inúmeros políticos, compareceu nada mais nada menos que o primeiro Arcebisto de Belo Horizonte, Dom Cabral, que foi assistido na cerimonia pelo Monsenhor José João de Deus.


Como ferro veio, ao ferro voltou

Inaugurada com toda a pompa, a bela construção de ferro era  para ser admirada por sua arquitetura e charme. Do pouco que o temos em fotos, imaginem leitores, que chique seria hoje, podermos fazer nossas compras todos os dias, sob uma construção daquelas? Observem na foto, suas estruturas de ferro trabalhado e ao alto revestidas de vidro transparente.  Estupendo! Me faltam palavras.

Mas mesmo que na sua inauguração o Mercado tenha sido benzido com rezas fortes e sacramentado pelas figuras mais proeminentes do Estado de Minas Gerais, não foi suficiente para garantir sua presença lá até os dias de hoje. O belo Mercado foi vítima da ignorância, e por alguma razão que hoje desconhecemos,  desmontado.  E pior! Ouvi dizer de um amigo, que já  não se encontra mais entre nós, que as ferragens foram parar nos fornos da Siderúrgica, e novamente, voltaram a ser... ferro. Ah, sinceramente, vá entender os planejadores desta cidade na época!


Arqueologia

No terreno acima, foi construído a sede da prefeitura da cidade, que de frente tinha o prédio, onde funcionava o bar do Zé Mequinho, que ainda pode ser visto na foto, aliás um outro prédio históco. A parte de baixo, onde era o Mercado, ficou o terreno, ora servindo de espaço para realização das quermesses da Igreja, quando a gente tomava "quentão", uma mistura de pinga com gengibre, nos dias frios do mês de maio, ora servindo de depósito de material de construção da prefeitura, ora servindo para nada. Depois, na parte de baixo, foi construída uma quadra de esporte; no terreno em frente, a Policlínica. A parte que dá  para o Ribeirão Bengo, o terreno hoje ocupa a escola.

Antonio Claret Maciel Santos também nos ajuda a decifrar a memória arquitetônica da cidade: "Nesta fotografia (foto ao alto) pode-se ver uns tubos de cimento no local onde existiu o Mercado Municipal. Pois é, o prefeito Dr. Lysandro Guimarães fez uma troca desse terreno com uma construtora do Rio de Janeiro para erigir o "Edifício Mont Palms", ou seja, ela construiria, como construiu, o prédio da Prefeitura, depois sede da Camara de Vereadores, que encima a fotografia, onde existia um belo jardim gramado e muitas palmeiras. Ocorre, que a construtora faliu e o terreno voltou para a Prefeitura que construiu a quadra exportiva."

Corremos contra o tempo.  Pouquíssimas testemunhas arquitetônicas deste passado ainda existem na cidade. Urge preservá-las!
Fotos: 
Arquivo privado
Fotos Antigas de Caxambu
Fonte:
O Patriota
Diario Carioca, 1944
Agradecimentos:
Antonio Claret Maciel Santos, por seu comentário, em 8 de julho de 2017, na pagina Jornal Arte 3 - NOTICIAS de Caxambu, que aqui publicamos.
Agradecemos também a  Izabela Jamal GuedesFuad Zamat que contribuíram com as nossas lembranças, através dos comentários, no Facebook.

3 comentários:

  1. Este terreno todo pertenceu ao meus avos paternos que doaram parte do terreno para a construção da Prefeitura,Alfredo e Sumia Zamot.

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  2. Muito importante resgatar a memória desse mercado, e o quanto foi ignorante desmancha-lo, sumirem com a estrutura sem qualquer reação da população me deixa de queixo caído. Ninguem reagiu, ninguém procurou saber porque um terreno publico iria ser ocupado por um predio particular, que acabou não sendo contruido pois a empresa quebrou, graças à Deus, e ninguem foi atrás da estrutura que foi surrupiada.. Parece até as vigas da ponte no Rio de Janeiro no governo Cabral, imensas, de toneladas que sumiram em uma noite, sem que ninguem visse seu tranporte que exigia um imenso trabalho de programação.. Brasileiros, não temos jeito, povo que rouba de si mesmo, povo que se permite ser roubado em sua cultura, em sua história sem dar o menor valor para isso.

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  3. Boa noite. Tenho uma vaga lembrança da Lanchonete Mércules, vulgo Zé Merquinho. Gostei muito da página. Parabéns. Minha mãe, que tem 94 anos, é meu acervo particular e ao mostrar para ela estas fotos, disse-me que muito do ferro retirado do Mercado, foi levado também por particulares como Zé do Pito, casado com Dona Áurea Leite, filha do Joaquim Leite, cuja mãe era sua tia-avó Bibina, irmão do meu bisavô Antonio Olinto Gonçalves.conhecido como Antonio ferreiro, responsável pela confecção da réplica ( à partir do molde) da corôa da fonte D.Pedro e também pelas grades do parque e montagem das peças vindas de fora para os coretos. Ele era pai da minha tia-avó Mariínha, pianista e maestrina do coral da Igreja Matriz e professora de canto de, entre outros, Ivon Cury. Outra curiosidade é que a família deste meu tetravô,assim como outras, moravam onde hoje é o jardim e todas foram indenizadas pela prefeitura para saírem de lá e, no caso dele, o novo endereço, que ainda existe, foi onde morou minha avó, nasceu minha mãe e onde tive os melhores anos da minha vida na Rua Manoel Joaquim.Ufa! Custou para chegar em mim...Abraços Solange.

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