sábado, 5 de outubro de 2024

Rali Rio— Caxambu, 1954-1958, e as estrelas do automobilismo


Chegada do vencedor Henrique Cassini no Rancho das Acácias, Caxambu, 1954

E nós íamos lá saber que Caxambu abrigou um calendário de cinco ralis, as corridas chamadas Rio—Caxambu? Para conferir a veracidade ou lembrança dos tais eventos, recorri a Wander Silveira, marido da Graça Silveria, aqui do Blog, e ele confirmou: "— Era criança, tinha uns 10 anos. A corrida era no 7 de setembro. Vi os Simcas conversíveis. Era organizado pelo [hotel] Glória." Bastou seguir a pista e fomos escarafunchar os fatos.

Os eventos automobilísticos aconteceram em datas comemorativas da cidade, 7 e 16 de setembro, entre 1954 e 1958, organizados pelo Automóvel Club do Brasil com o objetivo de incentivar a indústria automobilística. Em 1954, 55 e 56 elas aconteceram no Dia da Independência, 7 de setembro, as de 1957 e 1958 no aniversário da cidade, 16 de setembro. Nos anos de 57 e 58, os motores dos pilotos famosos estavam roncando nos 500 quilômetros no autódromo de Interlagos, nos 7 de Setembros, não mais em Caxambu.
 
A Rio-Caxambu

As corridas tinham uma organização incomum. Os corredores encontravam-se um dia antes no quilômetro 4 da Via Dutra, na altura de Engenheiro Passos. A largada acontecia no dia seguinte, às 7:30, com  intervalo de 2 minutos para cada carro. Os participantes percorriam 295 quilômetros, atravessando a serra de Itatiaia O Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) fechava o trecho para carros de passeio, deixando as pistas livres para os corredores. O percurso era considerado "difícil", pois acontecia em parte na Dutra e em parte nas estradas vicinais. O seu traçado serpenteava pela serra, em direção a Minas.

Os corredores chegavam pela avenida Getúlio Vargas, sendo o ponto final da corrida o Rancho das Acácias. Rancho? Das Acácias? Sim. O rancho era ponto de encontro da nata da sociedade caxambuense e muito querido pelos veranistas. Lá foram recebidos os artistas que vieram para o festival de cinema no ano de 1956. David Nasser, que ficava hospedado no Palace Hotel, ia ao Rancho comer um churrasquinho (1). Foi lá que escreveu  o samba "Estranho Amor", gravado por Dircinha Batista em parceria com Garoto, lançado em 1951.
O meu pai José Ayres tinha outra opinião sobre o local: "— É lugar de perdição." A má fama e desconfiança talvez viessem por sua localização, um lugar relativamente ermo, na subida da estrada federal e escuro, pois os quiosques com teto de sapê foram construídos sob as altas árvores, que dificultavam a iluminação.

A Rio—Caxambu, edição 1954

A primeira prova da Rio—Caxambu ocorreu em 1954 e contava com os "volantes", digo pilotos, Artur de Souza, campeão das "Cem milhas do Maracanã", Osmar Fernandes, campeão de Subidas de 1954, Álvaro Xavier, Euclides de Brito, Augusto de Campos, Alvaro Niemeyer, José Câmara de Souza Costa, Celso Lara Barberis (vencedor dos 500 quilômetros de Interlagos), o mineiro Henrique Casini, Godofredo Vianna Filho. Uma constelação de estrelas do automobilismo! Eles representavam os ricaços do Rio e São Paulo de alto poder aquisitivo que podiam comprar carros e fazer deles um caro hobby: as corridas. A corrida era composta das seguintes categorias: Esporte Livre, Turismo cilindrada livre, Turismo até 2.000 CC e Turismo até 1.300 CC. O vencedor da prova foi Henrique Casini com tempo de 2 horas, 31 minutos e 13 segundos, na categoria "Esportes".

Henrique Cassini, o vencedor da corrida Rio-Caxambu de 1954

Henrique Cassini nasceu em Passagem de Mariana, próximo a Ouro Preto, em 1898. Ele era um rico industrial e comerciante. O início de sua carreira esportiva se deu já em avançada idade aos 33 anos. A primeira corrida de que participou foi em 1933, e se tornou, com Celso Lara Barbéris, um dos astros do automobilismo do Brasil, disputando corridas quando já tinha se tornado avô. O Jornal da Noite descreveu o vencedor da prova do "Circuito da Gavéa", no Rio de Janeiro assim: "O novo campeão da Gávea já é vovô." Em 1954 participou de várias provas no Brasil, e juntamente com o amigo Chico Landi foi à Itália, onde participou de duas corridas. 
 
A sua primeira participação de uma corrida, depois da viagem foi a prova Rio—Caxambu da qual saiu vencedor. Seu currículo é extenso, campeão de provas conhecidas nos circuitos da Gávea, Rio de Janeiro, Petrópolis, Maracanã, Campeão brasileiro do ano de 1958. Em 1960 foi a sua última participação numa corrida no "Grande Prêmio Cidade do Rio de Janeiro", quando, apesar de sofrer um acidente, completou a prova em 4 ° lugar. Nas décadas seguintes passou a dedicar-se à indústria e colaborando eventualmente com a organização de provas e ralis. Faleceu em 25 de janeiro de 1981 com quase 82 de idade.

A Rio-Caxambu edição 1956/ I Prêmio Juscelino Kubistchek

Barbéris recebe o troféu das mãos de José de Segadas Vianna, Caxambu 1956

Da corrida de 1955 não temos notícia, mas a de 1956 sim, com o recorde da prova superado pelo piloto Celso Lara Bareris na categoria "Esporte Livre", dirigindo um Ford Thunderbird com o tempo de 1 hora, 7 minutos e 30 segundos, seguido por Domingos Otolino num Jaguar XK 120. Nessa prova Henrique Casini, que vendeu seu carro a Jair Vianna  venceu na categoria "Turismo", perdeu o lugar exatamente para o novo proprietário do carro. Essa prova foi denominada I Premio Juscelino Kusbishek, já dizendo a que veio. Era uma homenagem ao presidente do Brasil eleito para o mandato de 1956 a 1961. Assim como todo evento automobilístico tinha a atenção dos políticos. Não faltou nenhum no evento, demonstrando o peso político que a cidade tinha na época. José de Segadas Vianna, ministro do Trabalho  Indústria e Comércio no governo Getúlio Vargas, se fez presente na entrega dos troféus (foto). Ele fora recentemente nomeado para presidir a comissão da organização do calendário automobilístico de 1956; foi eleito deputado constituinte pelo Rio de Janeiro; era jornalista e foi coautor da elaboração da Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT.

Celso Lara Barbéris, o vendedor da Rio-Caxambu de 1956

Aqui destacamos o vencedor do rali Rio—Caxambu de 1956, Barbéris e sua admirável carreira como esportista. Nascido no interior de São Paulo  em 1917, era filho de um médico italiano, natural de Turim e fazendeiro na região. Mudou-se para a capital para estudar e iniciou a prática de esporte como nadador e remador. Chegou a ser convocado para representar o Brasil nos Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936 no remo "double-skiff", mas uma intoxicação o impediu de embarcar. Em 1945, aos 29 anos, mudou-se para Avaré, São Paulo, assumindo a administração da fazenda de café de sua família, e em 1949 iniciou sua carreira no automobilismo, tornando-se uma estrela nacional. Em 1963, na prova "12 Horas de Interlagos" sofreu um acidente fatal. A roda de seu carro foi tocada pelo carro do piloto Amaral Junior. O carro rodou e foi de encontro ao barranco, capotando várias vezes. Os carros não tinham cinto de segurança. Barbéris foi lançado fora do veículo, sofrendo fratura no crânio e esmagamento do tórax.

A penúltima versão do rali Rio—Caxambu/ano 1957

A versão de 1957 foi realizada na data comemorativa do aniversario de cidade, 16 de setembro. O jornal Diário Carioca nominou os participantes e anunciou os grandes nomes do automobilismo nacional. Novamente eles, Barbéris, Casini, Godofredo Vianna, Euclides, Mario Olivetti  que competiram em diversas categorias, Esporte Força Livre, Turismo Força Livre Turismo até 2 litros, Turismo até 1.300. Três participantes não especificaram os seus carros: Barbéris, Melo Vianna e Armando Silva. Mesmo com a constelação de astros anunciados, não há maiores informações sobre a corrida e os seus vencedores. 

A última versão do Rali Rio-Caxambu/ano 1958

Tudo parece que o rali Rio—Caxambu de 1958 foi a última tentativa de emplacar a cidade nos circuitos de corridas nos concorridíssimas eixos Rio-São Paulo, que tinham mais prestígio que a hidrópolis do sul das Minas Gerais.  Nas competições de 1957 foram anunciados os participantes, mas o mesmo jornal não teve a preocupação de anunciar os vencedores da prova. Na biografia de Mario Olivetti ficamos sabendo que ele que teria ficado em segundo lugar na corrida, nada mais. Isto comprova a pouca importância que tiveram as corridas, mesmo com políticos apoiando a iniciativa. Todos tinham olhos somente para Interlagos e as grandes corridas, em que os gordos prêmios eram pagos aos corredores. Assim o Rancho das Acácias voltou à normalidade, recebendo nas noites o público que gostava de gozar a vida  sem barulho de automóvel.

Fonte:
NASSER, David, in Aconteceu comigo no mar - Revista o Cruzeiro 1928 a 1985. (1)
O Jornal (RJ) 1950 a 1959
Manchete (RJ) 1952 a 2007
Última Hora (RJ) 1951 a 1984
Motor (RJ) 1940 a 1957
A Gazeta do Rio de Janeiro
A Noite (RJ)
Jornal dos Sports (RJ)-1953 a 1959
Diário Carioca (RJ) 1953 a 1965
Almanaque dos Desportos (RJ) 1957 a 1965
Site Pára-Choque, internet
 
Agradecimentos:
A Julio Jena, sempre

Nenhum comentário:

Postar um comentário