sábado, 11 de março de 2017

A Fonte Duque de Saxe de Caxambu e sua história/Os problemas gerados na sua captação, em 1892. Um tema atual


O nome foi uma homenagem ao membro da família Real, Luís Augusto Maria Eudes de Saxe-Coburgo-Gota, o Duque de Saxe, casado com a princesa Dona Leopoldina de Bragança, filha de Dom Pedro II. Ele que tinha sido o "pre escolhido" para desposar a Princesa Izabel, mas acabou casando com Leopoldina. Ah, mas essa é outra história. Vamos para a fonte...

Duque de Saxe e D. Leopoldina
Senta que lá vem história!

Por volta de 1845,  foi confiada a tarefa a Felicio Germano de Oliveira Mafra, pelo amigo Constantino Guimarães, para limpar o lugar, onde brotava as águas, que mais era um poço no meio da mata. Assim Mafra a "estaqueou-a, roçou o matto, fez sarjetas, esgotos, começou a canalizar o ribeirão que alagava constantemente o brejo...".*

"Os primeiros trabalhos feitos nas fontes de Caxambu consistiam em cercal-as com páus e taboas a pequena profundidade; evitava-se apenas o contacto com a lama que as cercava; é o que fez Mafra, e que fez ainda, em 1853, o Sr. Dr. Luiz de Mello Brandao, quando descobriu a fonte Duque de Saxe, dizem.", escreveu Henrique Monat.

E com parcos recursos e  rústicos melhoramentos feitos pelos seus benfeitores,  os doentes voltaram a procurar as águas, depois de anos do episódio, quando o juiz de paz, Capital Joaquim de Oliveira Castro,  de Baependi, em 1841, ter mandado atear fogo no acampamento dos acometidos do mal de Lázaro que faziam uso das águas. Os argumentos? Eles estariam afugentando os outros enfermos. Ironicamente eles foram os que mais contribuíram para propagação do efeito benéfico das águas.

Mas... "... entretanto, aproveitando uma ausência do grande bem-feitor, alguns frequentadores, julgando tornar a água mais límpida, tirar-lhe o gosto de lama, que lhe davam as infiltrações do terreno, por occasião das chuvas, lançaram ao poço carradas de pedras e cascalho, ao que elle sempre se opusera; começou a diminuir o volume  d`agua até que desapareceu de todo em poucos dias, ficando assim destruída a obra colossal, que custará tantos esforços"*.

As frágeis fontes

"Foi o Sr. Conselheiro Mayrink também que mandou captar as quatro fontes situadas na várzea, ..."
" ... Na D. Izabel a rocha foi atingida a 7m, 50 de profundidade; na Conde d`Eu 7 metros, na Duque de Saxe a 11, ..." (1)

Passaram-se quarenta anos para que fosse iniciado o seu processo de captação definitivo, em 1892,  por Venâncio da Rocha Figueiredo Junior (foto abaixo), quando  houveram problemas que a fizeram secar. O trabalho foi suspenso e ele, o responsável pela obraveio a público tentar se justificar.

"Tendo sido encarregado pelo Sr. Conselheiro Mayrink da captação das fontes de águas minerais nesta localidade e achando-se terminada a da fonte Leopoldina com o mais completo resultado, passei aos trabalhos da fonte Duque de Saxe, os quais proseguirao sem incidente de ordem alguma, salvo as dificuldades inerentes a fontes profundas e a trabalhos desta natureza, quando fui sorprehendido por ordem superior para suspender os respectivos trabalhos, o que imediatamente fiz.

Constando-me porém, que se propala ter sido a suspensão motivada por ter-se perdido as nascentes da referia fonte, cumpre-me declarar em bem da verdade, e para salvar a responsabilidade que me cabe, que é de todo ponto inexato este boato; pelo contrário, as fontes lá se achao intactas e em condições de se fazer a mais perfeita captação. "

Caxambu, 9 de abril de 1892. Venâncio da Rocha Figueiredo Junior (2)

Henrique Monat e suas considerações sobre a captação da fonte, um tema sempre atual

Captação da fonte Duque de Saxe, do livro Caxambu, Henrique Monat
O tema é atual, pois se na época eles escavavam o solo com pouca ciência, e foram detectadas alterações no volume de água, que diria hoje enfiar uma sonda lá para "extrair" mais água que deve, como esta proposto, que acontecerá se as águas forem dadas em concessão à uma empresa, que terá o direito de, de...  As "explorar"?

É aqui inegável, que na administração de Conselheiro Mayrink, a tentativa de fazer a captação das águas também gerou problemas. O Doutor Henrique Monat  justificava a pouca vazão na fonte e que nos serve hoje como advertência  de quão frágil foi e é o processo de sua captação. Aqui duas citações importantes:

" Para demonstrar a comunicação entre as fontes, nas camadas profundas da terra, basta citar o que se deu com a Duque de Saxe; a captação primitiva não tinha atingido a rocha; a quantidade de água produzida por esta fonte e pela da D. Leopoldina começou a diminuir; captou-se de novo, na rocha, encheu-se a fenda, deixando-se apenas passagem para dirigir a água ao condução que ia até superfície do solo, argumentou a produção" *

"Na Duque de Saxe, ainda depois de bem captada, como foi na administração de Mayrink, observa-se que a produção de agua é menor do que foi em outros tempos, dizem. Porque?
Não vejo, a aceitar-se o facto como verdadeiro, sendo uma explicação científica: a diferença de nível entre ella e a D. Leopoldina; quando se abaixa o nível de uma fonte, as outras que della dependem ou tem comunicações directas com ella, as ramificações do veio de que ella provém, sofrem diminuição da produção". E concluiu: - "uma simples questão de hidrostática."*

Sim, sim uma questão de hidrostática... Não queremos imaginar o que viria acontecer de uma "exploração das águas" que venha ocorrer sem fiscalização e sem os cuidados necessários, na cidade de Caxambu.  As fontes de São Lourenço que nos respondam. O público já experimentou o gosto amargo da decisão de vender tudo para Nestle. Fontes secando e a mudança de sua composição química. Então o problema não é novo e já teria sido detectado, em 1892.

A fonte Duque de Saxe é um estouro!

"Um estouro", expressão popular antiga que significava algo grandioso, mas aqui a interpretação tem que ser, literalmente, ao pé da letra. A fonte "explodiu" e seu revestimento externo de cimento e a cobertura de vidro voaram pelos ares, em 1896. A notícia foi publicada no Jornal  A Consolidação.
Mas a física explica: gases procuram se expandir, quando são apertados lá embaixo da terra... Um pequeno vazamento em direção à superfície e... Bum!

A evolução. De quiosque à bela cobertura de ferro belga

Bem, captada a fonte, e depois do incidente em que o revestimento externo e os vidros voaram pelos ares, ela precisava uma nova cobertura. E que coberturas! No plural mesmo. A primeira versão da fonte foi publicada no livro Caxambu de Henrique Monat, assim descrita: "No centro do parque está a fonte Duque de Saxe, abrigada por um chalet rustico de cimento, construído este anno".

A partir daí ela sofreu radicais modificações. Aqui colecionamos vários cartões postais e se computarmos suas construções e "desconstruções",  podemos dizer que gastaram dinheiro, muito dinheiro com as seis (!) variações  (fotos), incluindo a de Monat, ao alto.



A primeira versão tinha forma hexagonal, publicada no ano de 1894, (foto ao alto). Seguiram outras formas: A fonte na foto n°1 é idêntica à   2, datada de 1900, publicada no livro de Maria de Lourdes Lemos , "Encantos e fontes de Caxambu", nos parecendo uma construção rústica. O telhado aqui esta em forma quadrangular.

A n°3 originada de um cartão postal, constando "Duque de Saxe", sem data, mas ela foi construída, prova uma foto de n° 4 e numa rara visão do Parque e a de n° 5, onde uma banda posa para a eternidade (5)

A n°6 também é de um cartão postal, enviado no ano de 1904, e se diferencia das outras fontes no seu estilo. Seu telhado era sustentado por pesadas solas de cimento. Sua existência esta comprovada no cartão postal abaixo.

Já nas fotos de n°7 e 8, vê-se o telhado de vidro, que posteriormente foi retirado. O jornal Vida Domestica, Revista do Lar e da Mulher, datado de 1926 noticia: "O (pavilhão) da fonte Duque de Saxe é de forma octogonal e apresenta custosos vidros na cobertura". Foi retirado posteriormente, uma pena. Na foto de n° 9  é a fonte de hoje, uma construção metálica de aspecto muito mais leve, sem as abas de vidro.


Os registros fotográficos foram feitos em tempos diferentes de quem as dataram e postaram no correio. Portanto elas não correspondem exatamente com as datas de suas construções.

A bela

O projeto original do pavilhão da fonte Duque de Saxe que hoje conhecemos, é datado de 28 de fevereiro de 1913. Sua construção tem motivos florais em estilo da Belle Époque francesa. Não por acaso. Conselheiro Francisco de Paula Mayrink (1839-1907), que desde 1890 era responsável pela Empresa das Águas de Caxambu, tinha como sobrinho o diplomata Raphael Mayrink (1874-1931). Ele era o "encarregado de Negócios" do Brasil, na Europa e estava presente, em 1905, na Exposition Universelle de Liège, na  Bélgica. Então as coisas foram facilitadas. Era  moda coretos e outros equipamentos urbanos pré fabricados de ferro, que podiam ser escolhidos através de  catálogos. Caxambu adquiriu os seus e teve o privilégio de ter não um, mas dois Coretos, um deles localizado na Praça 16 de Setembro e outro no Parque, além dos quiosques em várias formas que cercam, protegem e embelezam as fontes. As datas de suas instalações coincidiram com as transformações sofridas na administração de Camilo Soares (1909-1914), com o calçamento das ruas, canalização do Bengo, reformas no Parque das Águas.


As melhores do mundo

A escolha da água de mesa na Família Ayres/Rodrigues/Freitas/Pereira variou ao longo dos anos. Meu pai, José Ayres, gostava da Mayrink, depois passou a beber a Viotti e não sem citar os nomes dos benfeitores das fontes e sua história, quando eram servidas no almoço. Água lá em casa era também cultura. Sim, fontes com personalidade. Para ele as águas de Caxambu eram as melhores do mundo. E são! A tradição de "buscar água no parque" deixou marcas. Muitos caxambuenses, mesmo agora morando longe, bem longe, veem à Caxambu buscar um pouco de saúde, matar as saudades da terrinha, como Graça Pereira Silveira e seu marido Vander Silveira, que se deslocam de São José dos Campos a cada quinzena, para levar o precioso líquido, servido como champanha, em sua mesa.

Preservar é preciso

Piso do Coreto da Praça 16 de Setembro, Caxambu
A  última e bela versão sobreviveu. O chamado Conjunto Paisagístico e Arquitetônico do Parque das Águas esta tombado pelo Patrimônio Histórico e integra o patrimônio não somente da cidade, mas do Estado e do país, tamanha sua importância e raridade. Sua preservação se torna imprescindível, como testemunha de uma época, para as gerações futuras. E os caxambuenses são os mais interessados, não somente em preservar sua arquitetura, mas também o que é mais importante: suas águas, elas que deram vida à cidade.

Fonte:
Monat, Henrique, Caxambu 1894. (1) todas as citações (*)
Jornal do Comércio, RJ 1892. (2) 
Recorte: Jornal: A Consolidação, 1896.
Revista Brasil-Europa - Correspondencia Euro-Brasileira - Patrimonio Belga no Brasil.
Bispo, A.A. "A cultura na revitalização de estâncias hidrominerais e a museologia do termalismo". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 145/6 (2013:5)
Fotos:
Henrique Monat, Caxambu, 1894. 
Fotos antigas de Caxambu in, Fontes e Encantos de Caxambu, de Maria Lurdes de Lemos, datata de 1900.
In Impressoes do Brasil no Século Vinte , 1913 (3)
Piso do Coreto, Solange Ayres
Nota: Vários grifos meus

2 comentários:

  1. Muito oportuno o trabalho, além de trazer a muitos dos nossos concidadãos fatos que desconhecemos de nossa cidade natal.

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    1. Sim, este é a contrituicao da Familia Ayres. Estamos contando e recontando a história da cidade. Obrigado pela visita. Solange Ayres

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